A audiência pública sobre a taxação de livros realizada na manhã desta segunda-feira (26) na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados foi marcada por críticas generalizadas à proposta do governo de estabelecer tributação de 12% no produto. Os participantes, que representaram a sociedade civil e o setor livreiro, contestaram os argumentos da Receita Federal de que as populações mais pobres não seriam prejudicadas.
Ao todo, a audiência teve 9.782 visualizações pela plataforma online da Câmara.
A atividade foi realizada por iniciativa da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, da Leitura e da Escrita, coordenada pela deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) na Câmara. O requerimento é de autoria dos deputados federais do PSOL Sâmia Bomfim (SP), Ivan Valente (SP) e Glauber Braga (RJ).
A deputada Fernanda Melchionna, presidente da sessão, afirmou que a decisão do governo não é apenas técnica, mas política, ao decidir isentar a importação de armas, não taxar jatos e iates e no mesmo movimento propor a isenção de livros. “A taxação no Brasil precisa ser sobre a renda, não sobre o consumo. Deveríamos taxar grandes fortunas e não um item tão básico na educação. Que governo em sã consciência diz que não se deve taxar armas, mas se deve taxar livros? Isso em plena pandemia, quando as livrarias estão fechando! Me parece que alguns políticos de extrema direita queimariam livros, se pudessem, mostrando que a questão é de censura ao conhecimento e não técnica”, diz.
Representando o governo, estiveram presentes a coordenadora-geral dos Programas do Livro do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Nadja Rodrigues, representando o Ministério da Educação, e o subsecretário de Tributação da Receita Federal, Sandro Serpa. Nadja afirmou que como o governo é o maior comprador de livros didáticos do Brasil, o aumento de impostos na área oneraria de forma contraproducente o próprio Estado. Já Sandro, disse que as decisões do governo são tomadas de forma técnica e que políticas públicas orçamentárias poderiam dar conta do acesso a livros, mas não detalhou quais seriam. O secretário substituto da pasta, Fernando Mombelli, representou Serpa no primeiro momento da audiência e afirmou que “as pessoas mais pobres não deixarão de acessar o livro por terem acesso aos didáticos gratuitos e outras políticas públicas”.
A audiência ouviu também a estudante Julia Marina Bortolani Martins, responsável por mobilizar o abaixo-assinado “Defenda o Livro” contra a taxação, que reuniu 1,4 milhão de assinaturas em uma semana. Ela citou emocionada que precisou lidar com a completa falta de estrutura na escola pública que estudou. “Por muito tempo, minha sala de aula foi um contêiner. Livro didático, não tinha nenhum, o professor buscava em outras escolas pra gente. Como se pode restringir conhecimento em um país que falta o indispensável? O que foi a minha realidade é a realidade da maioria dos brasileiros. Como podem ter coragem de taxar algo tão essencial para a educação?”, questionou.
A diretora executiva da Change.Org, Monica Adriana de Souza, reforçou a importância da iniciativa de Julia e do ativismo digital para impedir a taxação dos livros. “O que vamos dizer às crianças? Que por elas não serem das elites, não terão acesso a conhecimento?”, afirmou.
O presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), Marcos Miranda, acredita que a taxação está ligada a um desestimulo generalizado à busca por conhecimento por parte do governo federal. “É chocante que o governo se referencie em dados inverídicos para propor a taxação de livros. Temos diversas pesquisas mostrando que as classes C, D e E são as que mais consomem estes materiais no Brasil. Estão tentando nos fazer acreditar em algo que não existe. A história não perdoará quem está fazendo isso”, pontua.
Em seguida, falou o presidente do Sindicato Nacional Editores de Livros, Marcos da Veiga Pereira: “Tivemos uma queda de cerca de 35% nos preços dos livros nos últimos anos. As editoras estão tentando baixar o custo e isso impacta no consumo. Ter mais um elemento de encarecimento dificultaria o acesso da população. Exemplos internacionais, como da Alemanha e da Suécia, mostram que o aumento de tributação está diretamente ligado à baixa de consumo e aumento de pirataria e vice-versa. O Brasil não pode se conformar com o péssimo desempenho nos rankings de Educação e isso está ligado ao investimento no livro e na leitura “, concluiu.
A representante da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, Viviane Peixoto, afirmou que é necessário impedir o desmonte generalizado que tira o acesso à educação e cultura, o que prejudica a mobilidade social das camadas mais vulnerabilizadas.
Como encaminhamentos, a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, da Leitura e da Escrita assumiu o compromisso de enviar informações ao Ministério da Economia sobre consumo de livros e impactos possíveis da taxação, além de seguir no debate da proposta para que não seja aceita a derrubada da imunidade tributária na Casa.
ENTENDA
Na proposta de reforma enviada ao Congresso no ano passado (PL 3887/20), o governo sugere a unificação de PIS e Cofins, criando um novo tributo sobre consumo batizado de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A alíquota proposta é de 12%. Se aprovada, a proposta do governo abre caminho para o fim da isenção tributária para livros.
O governo justificou, em documento publicado pela Receita Federal, que os livros são consumidos por camadas mais ricas da população, e por isso poderiam ser taxados.