Artigo originalmente publicado no jornal Sul 21
Por Fernanda Melchionna*
Duas tragédias ambientais nos últimos anos dominaram os debates sobre a grande crise que o Brasil vive neste setor. Em janeiro de 2019, uma barragem controlada pela Vale S.A. rompeu em Brumadinho (MG), causando 242 mortes e 22 pessoas ainda continuam desaparecidas. Poucos anos antes, em novembro de 2015, o rompimento de outra barragem, controlada pela Samarco em Mariana (MG), causou a morte de 19 pessoas. Episódios tão impactantes deveriam gerar um profundo processo de reflexão em nosso país sobre a forma como regulamos as relações de exploração dos recursos naturais e suas consequências. Mas a negligência diante dos recentes incêndios criminosos na Amazônia mostra que o governo Bolsonaro caminha para o lado oposto.
O Brasil deveria ter entrado em modo de alerta e, assimilando as tragédias com esses empreendimentos, agido no sentido de frear o aprofundamento de uma lógica que apenas privilegia o lucro em detrimento da vida. Infelizmente, sequer os responsáveis por Brumadinho e Mariana foram devidamente punidos e não avançamos em legislação de controle – sinais evidentes de que as lições com esses crimes ambientais não foram assimiladas. E agora, essa nova tragédia na maior floresta tropical do mundo, que extinguiu centenas de hectares de mata, dizimou a fauna e a flora e expôs o país – ainda mais – internacionalmente, ameaça parcerias comerciais e coloca em risco a nossa já combalida economia.
Mais do que isso, Bolsonaro utiliza o aprofundamento de uma crise ambiental gravíssima, e que pode ser irreversível, como uma política de governo baseada na negação da ciência e informações falsas. Tudo isso para acelerar um processo de exploração descontrolada dos recursos naturais visando atender o agronegócio e o capital internacional. A prova é que apenas nos primeiros sete meses deste ano foram autorizados 290 novos agrotóxicos no país e identificados 4.968 km2 de desmatamento na Amazônia. Ainda de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os incêndios aumentaram 83% em agosto desse ano na comparação com o mesmo período do ano passado. Aliás, a divulgação deste dado motivou a demissão do diretor do Inpe, uma nova demonstração de desprezo pela ciência. Os números, recordes em relação a anos anteriores, são um sinal perigoso para um país onde a utilização de agrotóxicos e o desmatamento já vinham atingindo níveis elevados em virtude da pressão do agronegócio exportador.
Mas a política antiambiental do governo passou dos limites. Ao reduzir verbas para prevenção e combate a incêndios e, em seus discursos, fomentar o desmatamento, Bolsonaro e o antiministro Salles atiçaram a sanha de grileiros e desmatadores, que viram o momento ideal para promover o Dia do Fogo. Partículas das queimadas da Amazônia foram identificadas até em São Paulo, no dia em que uma escuridão tomou conta da cidade no início da tarde amendontrando o país. Diante da possibilidade de embargo aos produtos do agronegócio brasileiro e da proliferação de protestos nacionais e internacionais em defesa da Amazônia, Bolsonaro tentou corrigir, através de discurso mentiroso em cadeia nacional, a repercussão negativa das queimadas. A reação veio das ruas. No sábado, mobilizações proliferaram em todo país e em cidades, como Nova Iorque, sob os gritos de “Amazônia, sim, Salles não!, Amazônia is on fire, Bolsonaro is a liar“. Além disso, a pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte revelou na última segunda-feira (26) que a reprovação ao governo Bolsonaro disparou, saindo de 19% no último levantamento para 39%, e sua reprovação pessoal pulou de 28% para 53%.
Diante da escalada devastadora ambiental promovida pelo governo, que estabelece também como inimigos os povos indígenas, os camponeses e os cientistas, apresentamos um requerimento solicitando o comparecimento dos ministros da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara. Além disso, junto à bancada do PSOL protocolamos um pedido de convocação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para que dê explicações em Plenário sobre o aumento das queimadas na Amazônia e sobre a flexibilização do licenciamento ambiental e política de redução de fiscalização na região.
Se o cenário é difícil, entretanto, precisamos saber que um outro caminho é possível e necessário. A produção e o consumo de acordo com nossas necessidades para uma vida digna e confortável, respeitando a sustentabilidade econômica, social, ambiental, cultural e política devem ser prioridades.
A batalha contra o governo Bolsonaro será de médio prazo e aos poucos a chave está virando. Demanda mobilização e disposição como a de Greta Thunberg, ativista ambiental sueca de dezesseis anos que atravessa o Oceano Atlântico sozinha em uma embarcação que não emite carbono, com o objetivo de defender o meio ambiente na Cúpula da ONU sobre Ação Climática, que acontece em setembro. No mesmo mês, milhares de outros jovens convocam uma greve mundial pelo clima. Em dezembro, milhares de ativistas de todo o mundo vão pressionar a Convenção do Clima das Nações Unidas, a COP25, que acontece no Chile. No Brasil, as últimas semanas foram palco de exemplos fortes de resistência com a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, a Marcha das Margaridas e os protestos em defesa da Amazônia realizados em 22 capitais, mostrando que o povo não aceitará calado o extermínio do planeta.
Felizmente, a juventude, o povo e as mulheres não descansam e mostram que, nas ideias, Greta não navega sozinha.
(*) Deputada federal (PSOL-RS)