A resistência feminista contra a extrema-direita no mundo é internacional
Vivemos uma situação política complexa que nos exige uma responsabilidade histórica enorme. A pergunta que nos fazemos é como projetos políticos da extrema direita chegaram ao poder e qual o nosso papel na resistência para derrotá-los?
Bolsonaro, Trump, Erdogan, Orban – o crescimento da extrema-direita no mundo
No Brasil temos a combinação de uma agenda ultraliberal na economia – de aumento das privatizações, de diminuição do Estado social e na contrapartida o aumento do Estado penal e de rebaixamento global dos salários dos trabalhadores – e reacionária nos costumes. A vitória de Bolsonaro faz parte de uma rota internacional de crescimento de projetos da extrema direita no mundo, como Erdogan na Turquia; que acabou com diversas liberdades democráticas no país, reforçando a lógica de uma sociedade machista que fez com que as taxas de homicídio de mulheres crescessem 14 vezes em 8 anos; Orban na Hungria, com a imposição da lei do trabalho escravo e a ameaça de acabar com a “ideologia de gênero” nas escolas, tendo mulheres na linha de frente da resistência; Trump nos EUA com sua política criminosa contra a humanidade ao impor a separação de pais e filhos de imigrantes, racista, LGBTfóbica, machista e contra a classe trabalhadora como um todo. Todos esses candidatos se venderam para as massas como anti-sistema, mas são na verdade a versão mais podre desse sistema político apodrecido.
O capitalismo desenfreado, desigualdade social e concentração de renda
É inacreditável pensar que nós vivemos em um sistema capitalista capaz de produzir alimento para 12 bilhões de pessoas, mas que a cada ano 9 milhões morrem por falta de alimento porque a lógica é do lucro acima da vida. Estamos em um patamar irracional no que toca a questão ambiental, colocando em risco a própria humanidade diante do aquecimento global, da poluição dos nossos rios, da devastação desenfreada e da mineração irresponsável. Tudo isso traz consequências nefastas para a vida na Terra, como os incêndios recorrentes, os crimes ambientais, as altas na temperatura do planeta.
Além disso, a economia mundial hoje tem uma lógica de transnacionalização dos interesses das grandes companhias, de ataque aos direitos trabalhistas dos trabalhadores do mundo inteiro, de aumento da devastação ambiental, fazendo com que só aumente a concentração de renda no mundo. Hoje apenas 26 bilionários te a mesma renda que 3.800 bilhões de pessoas (Oxfam). E mesmo diante desse cenário, os ideólogos desse regime político apodrecido conseguiram se vender para a população como alternativas (obviamente falsas).
Tivemos como resultado o bilionário de Trump, nos EUA, e, Bolsonaro, que durante 28 anos viveu a custas da política tradicional brasileira sendo um dos parlamentares que mais votou contra os interesses dos trabalhadores, no Brasil. Esses políticos alimentaram-se da desesperança do povo diante de uma brutal crise econômica e venceram as eleições. No Brasil, especificamente, a desesperança do povo ganhou força por conta de um modelo político do capitalismo brasileiro, sempre alimentado pelo dinheiro do Estado e pelas relações promíscuas entre governos e grande empresas capitalistas, além da descrença do projeto do Partido dos Trabalhadores que era a aposta da classe trabalhadora para mudar essa lógica de fazer política, mas que acabou fazendo parte do status quo, adotando os mesmos métodos do sistema político tradicional.
Extrema-direita cresce como uma reação ao avanço das lutas democráticas e a importância do feminismo
Esses governos autoritários também reagem ao avanço das lutas democráticas. Compreender essa situação complexa de como chegamos até aqui é muito importante para a construção de um feminismo anticapitalista e socialista que nós estamos construindo. A reação conservadora vem daqueles que não aceitam o empoderamento das mulheres, o fortalecimento da luta pelo fim da violência de gênero e do feminicídio, pelo fim da cultura do estupro e são aqueles que querem negar o ascenso da luta da Primavera Feminista. Eles querem seguir assegurando a lógica de super exploração das mulheres para garantir a reprodução social. Eles também não aceitam o crescimento das lutas da comunidade LGBT e querem atacar seus direitos, como o casamento civil igualitário. Eles não aceitam o empoderamento da negritude que tem denunciado a cada dia a herança escravocrata e colonial do Brasil e também daqueles que denunciam o racismo estrutural, que faz com que as mulheres negras recebam um salário de até 50% menor que as brancas. O Brasil mata 64 milhões de pessoas por ano, sendo a maioria jovens, negros e da periferia e tem a 4ª maior população carcerária do mundo, em sua maioria negros.
Precisaremos derrotar o atraso e o reacionarismo assim como os que lutaram antes de nós. As vozes da mudança, a onda das mulheres são fundamentais. O mesmo Brasil que elegeu Jair Bolsonaro foi o que teve a maior manifestação feminista da história unificada pelo #EleNão. As mulheres sabiam que esse seria um projeto contra os avanços civilizatórios e na contramão dos direitos das mulheres e das trabalhadoras. Nós, estamos empenhadas no fortalecimento do feminismo. Mas é importante dizer que precisamos fortalecer um feminismo interseccional, classista, dos 99% contra 1%, ou seja, que representa os interesses da classe trabalhadora, que tem lado na discussão capital/trabalho e que não aceita essa lógica do capital acima da vida. O nosso feminismo tem cor. É o feminismo negro, é indígena, tem gênero e identidade de gênero, é o feminismo que respeita a diversidade sexual, os direitos das transsexuais e das lésbicas.
Os EUA fizeram um dos maiores atos feministas da história depois da eleição do Trump. É preciso que a gente retome a força das mulheres que construiu o Grande Dia Internacional de Mulheres ano passado para a construção coletiva desse 8 de março. Precisamos colocar na rua a nossa indignação e construir uma grande mobilização em defesa do direitos das mulheres. Porque se a extrema-direita cresceu no projeto político, como disse Rosana Pinheiro Machado, mas as feministas também venceram. As mulheres não voltarão para casa. Não existe nenhuma chance histórica disso acontecer.
A nossa luta e resistência é internacional
Chegar aqui hoje e saber que tivemos uma greve vitoriosa da comunidade de professores e professoras de Los Angeles é que já se prepara para acontecer em Oakland é fortalecedor. Essa é uma expressão da classe trabalhadora em ação. Há 40 anos os EUA não via isso. Isso é gérmen do novo. Assim como hoje metade da população já fala em socialismo e nos últimos anos estamos debatendo a necessidade de uma sociedade anticapitalista.
Portanto isso mostra que a nossa luta é internacional, é de negação da extrema-direita, mas também é de afirmação do novo, da independência política, da democracia radical, da ideia da maioria controlar a política e a economia. Nesse momento a gente precisa de coragem para enfrentar esse novo período, e a coragem é um sentimento coletivo.
Quando me falam que a resistência será dura, eu sempre digo que não será mais dura que 500 anos de genocídio dos indígenas, que seguem vivos e na luta honrando aqueles que vieram antes deles; que 388 anos de escravização, de violência, de sangue e suor dos negros e negras arrancados; e que os longos anos em que as mulheres lutaram e resistiram contra uma lógica extremamente machista e patriarcal. E que ainda seguem.
Que a gente honre a memória dos que vieram antes de nós! E a melhor forma de honrar é na luta. Dia 14 de março fará um ano que a nossa companheira foi brutalmente assassinada e, até agora, o Estado brasileiro não deu nenhuma resposta. A cada dia de silêncio pela morte de Marielle aumenta a possibilidade de crimes políticos, aumenta a dor e o fortalecimento dos tentáculos paramilitares das milícias no Rio de Janeiro e em todo Brasil.
Esse internacionalismo também é uma marca desse projeto anticapitalista e socialista que nós queremos construir. Se o projeto da classe capitalista dominante e da extrema-direita é internacional, a nossa resistência também será. E, digo mais, a vitória também. As madres de la Plaza de Mayo, que lutavam por Justiça para seus filhos mortos na Ditadura Militar, sempre diziam: “não existe luta perdida, a não ser a que a gente abandona”. E no que no depender da gente, isso não acontecerá.