Na sexta-feira (26), durante a realização da audiência pública sobre estratégia de formação de leitores, de iniciativa da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL/RS), presidente da Frente Parlamentar Mista em defesa do livro, da leitura e da escrita, e do deputado Glauber Braga (PSOL/RJ), a secretária executiva do Plano Nacional do Livro e da Leitura, Nadja Cezar Ianzer Rodrigues, confirmou a abertura de um edital público para recompor o Conselho Diretivo, uma das instâncias de gestão colegiada do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), cuja participação da sociedade civil foi excluída por decreto federal em 2019.
Originalmente, o Plano seria gerido por um conjunto de três instâncias colegiadas, todas de caráter de prestação de serviço público relevante voluntário e não remunerado: Conselho Diretivo, Coordenação Executiva e Conselho Consultivo. No entanto, através do Decreto Presidencial nº 9.930, de 2019, o governo extinguiu o Conselho Consultivo, eliminou uma das duas vagas de representação da sociedade civil no Conselho Diretivo e introduziu um representante genérico de biblioteca pública, e retirou arbitrariamente da Coordenação Executiva as representações da Fundação Biblioteca Nacional e do Colegiado Setorial de Literatura, Livro e Leitura do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC).
“A paralisia das políticas públicas na área do livro e da leitura do governo Bolsonaro é resultado do próprio desmonte que o governo promoveu desde o início de sua gestão. A reabertura da participação da sociedade civil no Conselho Diretivo é uma conquista da luta dos setores da área do livro, leitura, literatura e bibliotecas, essenciais para o desenvolvimento das diretrizes e metas do Plano que estão estagnadas nesses três anos”, disse a deputada. Fernanda também lembrou que o Plano Nacional do Livro e da Leitura, instituído a partir da Lei nº 13.696/2018, conhecida como Lei Castilho, determinou que este fosse elaborado nos seis primeiros meses de mandato do chefe do Poder Executivo, com vigência para o decênio seguinte.
A representante do PNLL reforçou, em sua fala inicial, que “sem o Conselho Diretivo, que está previsto no PNLL, a gente não pode trabalhar” e garantiu que o edital já foi assinado pelo Ministério da Educação e será publicado na próxima segunda-feira. “Temos hoje um chamamento público para compor o Conselho Diretivo a partir da participação da sociedade civil e do mercado livreiro e editorial para construir de forma conjunta as diretrizes do Plano. O edital já está na mesa do Ministro da Educação e assinado. Agora é hora de mobilizar socialmente os diferentes setores para que esses representantes se inscrevam”, disse Nadja.
Além de Fernanda, demais representantes da área do livro, da leitura e das bibliotecas públicas e comunitárias, deixaram sua posição em prol da necessidade imediata da reativação das estruturas já existentes e previstas em lei para efetivação das diretrizes do PNLL. Os participantes também colocaram a necessidade de uma previsão orçamentária para a execução do Plano.
Fernanda Garcia, diretora executiva da Câmara Brasileira do Livro, sociedade civil sem fins lucrativos e que representa livreiros, distribuidores, autores e editoras independentes, reforçou que a Política Nacional de Leitura e Escrita é fundamental para a construção de uma cadeia produtiva e criativa forte e organizada. “Nosso objetivo é a formação de mercado e de novos leitores, e por isso o PNLL é essencial não só para o mercado, como para o desenvolvimento do país. A implementação de políticas públicas na área já na primeira infância traz resultados não só para a aprendizagem do pequeno leitor, mas também econômico para o país. Por isso, é fundamental fortalecer as livrarias, que são pontos de descoberta dos livros e de novos autores e garantir que todas escolas tenham bibliotecas para, dessa forma, construir um ecossistema saudável que favorece o leitor, o mercado e o Brasil. Fernanda também citou a urgência de se construir medidas concretas para a recuperação do setor livreiro e editorial por conta da crise econômica, duramente afetada pela pandemia.
Melchionna lembrou do projeto de lei 2604/2020, de sua autoria, que prevê medidas emergenciais ao setor livreiro e editorial até 12 meses após o fim da pandemia, e que recebeu, em junho, parecer favorável na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. O PL prevê que as instituições financeiras promovam abertura de linhas de crédito especiais, redução de taxas de juros para empréstimos, flexibilização dos requisitos de análise de crédito e dispensa ou flexibilização de garantias para esses setores. O PL ainda precisa ainda passar pelas comissões de Finanças e Tributação e Constituição e Justiça antes de ser encaminhado ao Plenário.
A professora e representante da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientista de Informação e Instituições (FEBAB), Maria das Graças Monteiro Castro, lamentou a extinção do Ministério da Cultura e o desmonte das políticas públicas do livro e da leitura. “A verdade é que não há nova roda a ser inventada. Para tratar de estratégias para o livro e leitura é preciso retomar a história e as estruturas já existentes. Há três leis que já existem e precisam ser retomadas: a Lei do Livro, de 2003, a da Universalização das Bibliotecas, que é uma lei bastante deficitária, e a lei que cria o PNLE. Também não há como discutir estratégias sem fazer planejamento. O nosso planejamento é esse plano, pautado nos 4 eixos, que vai desde a produção, passando pela mediação, até a ponta com as bibliotecas”, comentou.
O professor José Castilho Marques Neto, da UNESP e especialista em políticas públicas de leitura – que leva o nome do PNLL, defendeu que esse é o momento de decisão política de retomada de políticas públicas da educação e da cultura para a construção de um país autônomo, de economia sustentável e que tenha seu futuro construído no presente. “O que tivemos até agora foi a destruição do pouco que conseguimos construir no Brasil nos últimos anos. O que vimos em 2019 com o desmantelamento do Conselho Consultivo e Diretivo, a destruição do que é a alma da construção de uma Política de Estado. (…) Não bastam expedientes e programas se do ponto de vista das autoridades maiores, não tomarmos essa necessidade de tornar o Brasil um país de leitores. Nós temos tudo na mão, a decisão política, qual país queremos, um país subordinado ou um país que, ao saber ler e escrever, saberá exercer o seu direito e sua cidadania. Estamos em um momento de decisão. É hora de parar de retroceder”, pontuou.
Ao final, Maria Marta, representante do Conselho Federal de Biblioteconomia e Viviane Henrique Peixoto, da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) reforçaram a importância de elaborar as diretrizes do PNLL a partir do papel que as bibliotecas públicas e comunitárias cumprem nas escolas e nas comunidades periféricas. “Eu não vejo outra estratégia de construção dessa política de Estado sem passar pela biblioteca pública, dentro das escolas. Mas se a gente pensar que o Brasil é o país onde se precisa primeiro existir escola, para depois existir o livro, a luta já é difícil”, disse Marta.
“As bibliotecas comunitárias são uma forma de ocupar os espaços nas comunidades, de promover o acolhimento, a articulação entre diversas linguagens e o desenvolvimento escolar e do leitor autônomo. E, muitas vezes, somos os únicos equipamentos culturais nos espaços onde estamos inseridos. Defendemos a leitura como direito humano e que, através dessa, o povo possa desenvolver senso crítico e tenha direito à fabulação”, disse Viviane.
Ao final, Fernanda expôs a ideia de construir junto aos setores da educação a possibilidade de gravar recursos do novo Fundeb para as bibliotecas comunitárias.