Miguel Urbán (Espanha) esteve no Brasil em missão oficial coordenada pela deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) para debater o acordo e participar de outras agendas com movimentos sociais.
O acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul é assimétrico, reforça mecanismos neocoloniais e promove a mercantilização dos serviços públicos brasileiros. É essa a opinião do deputado do Parlamento Europeu Miguel Urbán, representante da Espanha pelo partido Anticapitalistas, que participou de painel da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados na tarde desta terça-feira (29). Ele cumpre agenda de compromissos em viagem oficial ao Brasil à convite da parlamentar Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
“Esse é um instrumento de denúncia deste acordo, que vai fazer mal para os países do Mercosul e da Europa”. Urbán entregou à Comissão um relatório com perguntas e respostas sobre o tratado comercial entre União Europeia e Mercosul, construído com dados de especialistas em diversas áreas, universidades e instituições representantes de classes. De acordo com ele, a única conclusão possível é a de que o acordo é ruim tanto para o Sul global quanto para Europa por beneficiar apenas as elites empresariais dos países. O acordo também deixará a população mais pobre e com mais dificuldade de conseguir emprego e aprofundará a destruição ambiental.
Assista à reunião na íntegra:
Resistência a Bolsonaro na Europa
“O acordo é o mais importante para a atual legislatura na Europa, foi negociado por 20 anos e as negociações foram finalizadas no governo Bolsonaro. Mas, é evidente que a União Europeia não quer assinar o acordo com Bolsonaro. Se assinar o acordo durante o governo dele, será muito difícil ter a legitimidade da opinião pública europeia”, opina o parlamentar.
Urbán também falou sobre a importância de não ratificar o acordo no governo atual, mas também no próximo governo, caso Bolsonaro não seja eleito novamente no Brasil. “Se expulsarmos Bolsonaro [do poder], aprovar um acordo que foi assinado e negociado pelo bolsonarismo [e por Mauricio Macri, ex presidente neoliberal da Argentina] não será um bom negócio [para o Brasil]”.
Segundo Urbán, o acordo reforçará práticas neocolonialistas, aprofundando a reprimarização da economia dos países em desenvolvimento, que passarão a entregar bens primários e a importar produtos manufaturados e industrializados da Europa. “Alguns chegam a dizer que este é um acordo de troca de carros por vacas”, dispara, alegando que haverá um benefício exagerado de grandes empresas e monopólios sob o mito de que, como consequência, pequenos produtores e agricultores também seriam beneficiados.
“Não é verdade. Nossas informações dão conta de que o acordo vai beneficiar a concentração de renda e terras na agroindústria”, completa.
Danos ambientais
O relatório também detalha informações de especialistas independentes contratados pelo governo da França analisando que o acordo irá favorecer dinâmicas de desflorestamento e aumento de uso de pesticidas no Mercosul que já são proibidos na Europa. O acordo impactaria em uma economia cíclica extremamente pejorativa ao meio ambiente. Urbán usou como exemplo que a Espanha é uma das principais compradoras de ração do Brasil. “A produção da ração para alimentar as granjas espanholas destrói a amazônia brasileira. Há uma relação política entre isso e os acordos da extrema-direita no Brasil. Para que haja carros elétricos, por exemplo, é preciso de minérios que vão ser extraídos de onde?”, questiona.
Perda de 1 milhão de empregos na Europa
Miguel Urbán citou também que os sindicatos europeus estimam a perda de aproximadamente 1 milhão de empregos na Europa, principalmente, mas não apenas, de pequenos agricultores. Os sindicatos da América Latina também são contra o acordo por entenderem que acontecerá ainda mais pressão por precarização das relações de trabalho.
No campo dos direitos sociais, o parlamentar afirmou que chama atenção que o acordo traga pontos importantes em relação a direitos humanos, ambientais e de gênero, mas que nenhum deles é vinculante, ou seja, obrigatório de ser cumprido, mas que todas as questões econômicas são. Ao mesmo tempo, segundo ele, há um ponto fundamental de abertura e mercantilização dos serviços públicos no Mercosul. “Na Europa, as multinacionais são mais fortes e conseguem competir melhor pelos serviços públicos. As empresas do Sul global não são tão fortes. Pode haver de dominação e desestruturação justo no momento pós-pandemia em que percebemos a importância de serviços públicos de qualidade gratuitos”, explica.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) afirmou que este não é um acordo que interesse ao povo brasileiro. “A principal característica foi a ausência total de democracia na discussão do acordo durante o governo Bolsonaro. O acordo nos coloca na posição de capitalismo dependente agroexportador de commodities desendustrializando e acabando com o emprego dentro do país e ao mesmo tempo gerando mais desmatamento, além do ataque às terras indígenas e de tantas outras consequências nocivas aos direitos humanos. Junto a vanguarda brasileira, juventude e o povo, é preciso lutar para que esse tratado não seja ratificado nem agora, nem no futuro”, pontua.
A ratificação do acordo, que está sendo negociado há mais de 20 anos e que foi assinado em 2019, depende da anuência dos parlamentos dos estados-membros da UE.
Participaram da mesa Tatiana Olveira, representando o Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC, o presidente da comissão, deputado Helder Salomão (PT-ES) e a vice-presidente da comissão, deputada Vivi Reis (PSOL-PA).