Nosso mandato chama o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras do serviço público, municipal, estadual e federal bem como todos e todas que deles usufruem: Não à Reforma Administrativa, Nenhum Direito a Menos!
Após comprar as eleições da mesa diretora do Congresso Nacional, com R$ 3 bilhões em emendas parlamentares e um número de altos cargos distribuídos, é hora de cobrar a conta. O desgoverno Bolsonaro quer o fim do serviço público, ou seja, inclusive, acabar com a saúde e educação públicas e de qualidade para todos e todas, em plena pandemia.
No cardápio estão as privatizações de empresas públicas, para entregar o filé ao mercado, o desinvestimento, para cumprir os compromissos com os serviços da dívida pública espúria, e a precarização, para inviabilizar as políticas públicas. À máxima é o lucro acima da vida, no momento em que a pandemia do COVID-19 se agrava, optando por chantagear com um auxílio-emergencial reduzido (em valor e duração) para justificar o descalabro das medidas.
Contrariando as evidências, por exemplo, da indispensabilidade do Sistema Único de Saúde no enfrentamento à pandemia, a ânsia na aniquilação do serviço público e as funções sociais do Estado estão materializadas no pacote de projetos que compõem a Reforma Administrativa. Tudo para descaracterizar os avanços e as conquistas da Constituição de 1988, Paulo Guedes, o Chicago Boy, inspira-se no regime militar chileno ao propor redirecionar o Estado para uma política subsidiária.
A Ditadura empresarial-militar chilena, impôs uma série de contrarreformas e privatizações, com o fim da gratuidade na educação e na saúde, bem como o regime de capitalização da previdência. Por isso, a agenda econômica ultraliberal de Guedes e o discurso de ódio e anti-democrático vocalizados por Bolsonaro, atuam em perfeita simbiose para avançar a agenda privatista, com o respaldo da grande mídia que demoniza os servidores públicos para legitimar projetos prejudiciais a todo o povo que trabalha para viver.
Para consecução deste plano, é imprescindível calar as lutas sociais e deslegitimar todas as instituições democráticas e republicanas do nosso país. Este projeto de Estado foi refutado pelo povo chileno em 2019 e 2020, uma mobilização popular que enfrentou a dura repressão dos carabineros e conquistou o plebiscito constituinte, com 80% dos votos contra à constituição pinochetista. Ou seja, um projeto amplamente rejeitado por quem viveu suas consequências nas últimas décadas.
o Banco Mundial alega salários médios dos servidores “muito acima” dos da iniciativa privada, omitindo o arrocho salarial, os 13,5 milhões de desempregados, os 5,8 milhões de desalentados e os 40 milhões de trabalhadores na informalidade (IBGE, 2021). Uma verdadeira manipulação, pois segundo o DIEESE (2020), a maior parte dos funcionários públicos (57%) tem rendimentos concentrados na faixa de até 4 salários mínimos, ou seja, de até R$ 4 mil, e 23% recebem até dois salários mínimos. Nenhuma das propostas de reforma atinge as cúpulas do aparelho de Estado como militares, magistrados e parlamentares.
PEC Emergencial: 1º Round da Luta Contra a Reforma Administrativa
Apesar do nome, a PEC 186 foi apresentada em dezembro de 2019, no chamado “Plano mais Brasil”, ou seja, anterior a pandemia e a qualquer projeto de Auxílio Emergencial. Chegamos em 2021, na fase mais grave da pandemia, e sob pretexto de prorrogar o auxílio emergencial, o governo “requentou” a PEC “Emergencial” (com a confusão proposital até no nome) e pressionando a população: ou auxílio, ou saúde e educação. As propostas para o desmantelamento dos programas sociais, mesmo antes da pandemia seriam absurdas por si, mas com a necessidade de compra de insumos, pesquisa, produção e distribuição de vacinas, contrastando com a penúria dos 63,5 milhões de brasileiros que receberam o auxílio emergencial em 2020, passou a ser uma evidente chantagem.
A PEC “Emergencial” também antecipa a Reforma Administrativa, ao propor o congelamento de concursos e progressões salariais, com redução de salário em 25% dos servidores e servidoras municipais, estaduais e federais. Tudo em nome da austeridade fiscal e o pagamento de juros e amortizações da Dívida Pública, evidenciando a visão do governo de que o lucro dos banqueiros está acima da vida.
A pressão dos movimentos sindical e social resultou na retirada da redução de 25% do salário dos servidores e da desvinculação do orçamento das áreas sociais na tramitação do Senado. Duas importantes vitórias da luta, apesar das dificuldades impostas pela pandemia. Já na Câmara houve a supressão do congelamento das progressões dos planos de carreira, mais uma redução de danos que sinaliza que haverá resistência contra a Reforma Administrativa, mesmo na pandemia. Foi também mantido o congelamento dos concursos e de reajuste salarial para os próximos 15 anos, caso não cumpra a “sagrada” meta fiscal, tanto para municípios, estados e a União, agravando as consequências da Emenda 95 (conhecida como PEC da Morte).
Com o cerne da proposta intacta, somado ao atropelamento da pauta e a ilusória aprovação de R$ 44 bilhões para o auxílio emergencial (enquanto foram R$ 300 bilhões em 2020 – orçamento 7 vezes maior), impõem-se desafios para mobilização com o acirramento da pandemia. Enquanto a PEC da Chantagem cortou recursos do serviço público, reduziu o auxílio drasticamente, cobrindo menos gente, os bancos continuaram lucrando.
Derrotar a Reforma Administrativa para manter as funções de Estado e a Estabilidade
A PEC 32/2020, chamada de Reforma Administrativa, prevê alteração nos princípios constitucionais da Administração Pública, com a inclusão do princípio da subsidiariedade, inspirado na ditadura chilena, priorizando a iniciativa privada na prestação dos serviços hoje públicos, com o poder público atuando apenas naquilo que não é de interesse do mercado.
A proposta atinge todos os poderes e esferas de governo, em especial os trabalhadores diretamente envolvidos nas políticas sociais, mas não atinge a alta cúpula do aparelho de Estado: parlamentares, magistrados, desembargadores, militares, auditores, diplomatas entre outros, chamados pela PEC como “Carreiras Típicas de Estado”, ou seja, na visão destes, que não estão passíveis de terceirização ou privatização.
Existem verdadeiras “pegadinhas” na PEC 32: o ingresso no serviço público segue por concurso público, porém, desfigurando o Regime Jurídico Único (RJU), pois o estágio probatório se torna etapa do processo seletivo para as carreiras “não típicas”, chamado de “período de experiência”, impõe a concorrência entre os colegas para assumir a vaga no órgão, delegando à chefia o papel de decidir quais ingressam efetivamente, ou não. Desta forma, o vínculo passa a ser considerado de “tempo indeterminado”, como se fossem “passíveis de privatização”, sem a garantia da estabilidade.
A proposta aprofunda os dispositivos de demissão por insuficiência de “desempenho”, ainda que adquirida a estabilidade, por isso, é ilusório acreditar que os atuais servidores estão “livres dos efeitos” da Reforma Administrativa. Guedes deixou claro seu ódio ao funcionalismo (“os parasitas”), por isso as avaliações tendem às mesmas características de perseguição político-ideológica, como a ocorrida contra o ex-reitor da UFPEL. Nenhuma destas medidas são de gestão, mas de retomada de velhas práticas clientelistas e patrimonialistas, abrindo caminho para novos escândalos como o das “rachadinhas”.
O projeto precisa ser derrotado em seu inteiro teor, pois a PEC 32 retrocede em décadas à garantia do acesso democrático e republicano ao serviço público, independente do governo de ocasião. As alterações constitucionais que viabilizam atingir inclusive “direitos adquiridos” como a estabilidade e as carreiras dos atuais servidores por meio de leis ordinárias e complementares, com a criação de sistemas de “gestão” e demissão arbitrária de servidores estáveis.
Esta Luta é de Todos!
Do ponto de vista da gestão central, o Brasil é um antiexemplo no combate à COVID-19, entretanto, o serviço público tem evitado uma tragédia ainda maior. A despeito da orientação negacionista e irresponsável do Governo Federal, os trabalhadores e as trabalhadoras do SUS atuam para garantir atendimento gratuito e universal, mesmo diante do colapso no sistema de saúde.
A importância do serviço público de saúde no Brasil está nítida. E também devemos lembrar o papel que institutos públicos de pesquisa como o Instituto Butantan e a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) cumpriram no desenvolvimento de vacinas e no acompanhamento da pandemia no país, subsidiando ações e políticas públicas em todos os níveis. Além disso, foi a USP, universidade pública, que desenvolveu tecnologia para respiradores quinze vezes mais baratos que o mercado, e de rápida produção.
Por outro lado, Caixa Econômica Federal e Correios, com sua estrutura logística, capilaridade e compromisso público, contribuíram decisivamente para a conjuntura não ser pior. Mesmo com as não-ações ou omissões do Governo, os Correios fizeram chegar as ainda escassas vacinas a longínquas localidades, a Caixa assegurou o pagamento do auxílio emergencial, com base nas informações de outra instituição pública, o INSS. Como imaginar o que seria do Brasil neste momento sem o SUS, a Caixa Econômica Federal, os Correios, a Fiocruz, o Instituto Butantan, a USP, o INSS? Mais uma demonstração de que a ideologia da privatização se baseia em falácias para questionar o serviço público e legitimar seu sucateamento em benefício de interesses privados.
Conquistamos vitórias fundamentais ao desidratar a PEC Emergencial, mas apenas com mobilização de base e independência de classe teremos condições de derrotar o plano de austeridade por inteiro.
Precisamos ampliar a mobilização com unidade das servidoras e dos servidores públicos municipais, estaduais e federais com a população usuária dos serviços públicos. É fundamental compreendermos que não se trata de uma pauta meramente corporativa, de defesa das nossas carreiras e direitos. Cabe disputar a narrativa sobre a importância de serviços públicos e gratuitos para a população que enfrenta condições de vida e de trabalho piores, com o desemprego, a informalidade, a carestia e, para agravar, a pandemia de COVID-19.
Para vencermos essa pandemia será necessário fortalecer o serviço público, não o contrário. O que de fato não é emergência neste país é ampliar o ajuste fiscal, mas sim criar condições para que se reduza a transmissão do vírus, como medidas de isolamento, pagamento do Auxílio Emergencial, Vacina para Todos e Fora Bolsonaro!
* Ricardo Souza é técnico-administrativo da UFRGS e coordenador jurídico da Assufrgs