Artigo publicado pela vereadora do PSOL de Porto Alegre Fernanda Melchionna em Zero Hora em 5 de dezembro de 2016.
A descriminalização do aborto voltou à discussão no Brasil nesta semana. A primeira turma do STF entendeu que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime, ao revogar a prisão preventiva de cinco pessoas que trabalhavam numa clínica clandestina no Rio de Janeiro. A decisão abre um precedente para que outros magistrados sigam o mesmo entendimento. O aborto aqui é considerado crime cuja pena é de um a três anos de prisão. A lei permite a interrupção legal somente em casos em que a gravidez representa risco de vida da mãe, é resultado de estupro ou quando o feto é anencéfalo.
O Ministério da Saúde estima que mais de um 1 milhão de abortos ocorrem no Brasil, o que o coloca como a quarta causa de óbitos maternos a partir deste ano. Segundo pesquisa do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), uma em cada cinco mulheres brasileiras até completar 40 anos já terá feito um aborto. Por serem clandestinos, as condições financeiras são determinantes para o risco que a mulher corre. As que têm dinheiro fazem em clínicas particulares com segurança. Já as mulheres pobres são as que mais sofrem e perdem a vida, por realizarem em locais sem condições mínimas de higiene ou até mesmo perfurarem o próprio útero com agulhas de tricô. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 47 mil mulheres morrem por ano em todo o mundo por complicações relacionadas a abortos clandestinos.
Talvez esse seja um dos temas mais polêmicos da nossa sociedade. Os conceitos de quando começa a vida para a religião e para a ciência são distintos. O Conselho Federal de Medicina defende que toda mulher deve ter autonomia, até a 12º semana de gestação, para decidir se quer ou não interromper a gravidez. A bancada fundamentalista pressiona para que o aborto siga proibido, contribuindo para que o debate seja reduzido a um tabu, deixando de encará-lo como um caso de saúde pública.
Em todo o mundo, as mulheres vão às ruas para lutar contra violência de gênero, contra o machismo e pelo direito ao próprio corpo. No final de 2015, o corrupto Eduardo Cunha tentou dificultar o acesso à interrupção da gravidez mesmo em casos de estupro. Foi emparedado pela Primavera Feminista, quando milhares de mulheres foram às ruas para protestar contra o retrocesso. Em outubro deste ano, o governo da Polônia tentou retroceder na lei que permite o aborto, fazendo com que milhares de mulheres fossem às ruas e protagonizassem uma greve geral.
Descriminalizar e legalizar o aborto não significa obrigar ninguém a abortar. Em 2012, o Uruguai legalizou o aborto e desde então nenhuma morte materna, em decorrência dessa prática, foi registrada. Além disso, o número de mulheres que decidiram levar adiante a gravidez após solicitar um aborto legal cresceu 30%. Descriminalizar o aborto significa salvar milhares de vidas de mulheres que recorrem a isso pelos mais diversos motivos, que não cabe nem a nós e nem ao Estado julgar. O nosso dever é zelar pela saúde pública e pelos direitos de cada cidadão, o que inclui o direito ao próprio corpo das nossas mulheres!